segunda-feira, 30 de maio de 2011

Meu amigoTadeu

Ontem conversamos sobre a entrevista de Fernando Henrique Cardoso, na Folha, de domingo, 29/04/2011. Tadeu a achou excelente (leia na postagem anterior). Meu amigo era muito doido. Experimentou quase todas as drogas quando jovem, incluindo álcool e tabaco. Hoje é o maior careta. Fica sem jeito e não sabe o que responder quando um de seus filhos lhe pergunta se ele já fumou maconha. Bebe socialmente, responde ao médico em todos os check-ups. Sou testemunha. Tadeu só bebe quando acompanhado, embora nunca esteja sozinho. Brincadeira. Ele está mesmo bem moderado e até abandonou o cigarro. Nem mesmo baseado fuma mais. Parou quando achou que estava favorecendo o tráfico, que mantém sobre controle milhares de jovens nas favelas. Soldado do tráfico morre cedo, ainda criança. A própria vida útil do traficante não ultrapassa os 40 anos, argumenta. Tadeu acha que o ex-presidente colocou de maneira lúcida o problema das drogas, quando se posicionou pela descriminalização, mas é mais radical que FHC: defende a legalização. Dessa vez, foi convencido pelos argumentos do ex-presidente, para quem a realidade do País ainda não permite essa medida. Tadeu destacou a parte em que o ex-presidente afirma que a descriminalização fará com que um consumidor dependente passe abertamente a pedir ajuda a um hospital, sem precisar ficar preocupado em ir parar na prisão. Mas, o grande mérito da entrevista, acredita Tadeu, é colocar a questão das drogas no centro da questão e abordá-la de maneira diferente da tradicional, que não resolve o problema. Tadeu falou e disse.E você,qual a sua opinião sobre o tema?








Pega Leve - Entrevista de FHC à Folha de S.Paulo 29-05-2011

Mônica Bergamo/ bergamo@folhasp.com.br/ FHC defende em filme a descriminalização de todas as drogas, o acesso controlado a entorpecentes leves e admite até a plantação caseira de maconha no Brasil como forma de combater o tráfico/ Marlene Bergamo/Folhapress/ Há três anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se juntou a personalidades como os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, e aos escritores Paulo Coelho e Mario Vargas Lllosa na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Passou a defender a descriminalização do consumo de entorpecentes. E transformou sua "saga" no filme "Quebrando o Tabu", de Fernando Andrade, que estreia na sexta, 3. Visitou 18 cidades da América Latina, EUA e Europa, foi a bares que vendem maconha, viu pessoas se drogarem nas ruas. Mostrou o documentário às netas de 25 anos -que estavam ansiosas para saber, segundo ele, como defenderiam o trabalho "do avô maluco". FHC falou à coluna. Abaixo, um resumo: Folha - O senhor já tem um histórico com o tema: na campanha para prefeito de São Paulo, em 1985, foi acusado de defender o consumo da maconha. Fernando Henrique Cardoso - Ali foi o uso, pela campanha do Jânio Quadros [que concorria com FHC], de uma entrevista que eu havia dado à revista "Playboy", em que me perguntaram se eu já tinha provado maconha. Eu contei que a única vez que eu vi alguém com maconha foi no bar P. J. Clarke's, em NY. Eu estava com uns primos banqueiros, bastante compostos. Alguém puxou. Achei o cheiro horrível. Me perguntaram: o senhor tragou? Nem sei tragar, nunca traguei nem cigarro. [A resposta de FHC à "Playboy" foi: "Eu dei uma tragada, achei horrível, acho que é porque nem cigarro eu fumo".] E outras drogas? No meu tempo, não tinha esse negócio. Era só lança-perfume no Carnaval. E o senhor cheirou lança? Mas muito pouco. Eu tinha horror dessas coisas. Eu nunca vi cocaína na minha vida. Eu sei que é um pozinho branco, e tal, mas nunca vi. Fui ver gente se drogar agora, na Holanda, fazendo o filme. Claramente, qual é a sua posição sobre as drogas? Eu sou a favor da descriminalização de todas as drogas. Cocaína, heroína? Todas, todas. Uma droga leve, tomada todo dia, faz mal. E uma droga pesada, tomada eventualmente, faz menos mal. Essa distinção é enganosa. Agora, quando eu digo descriminalizar, eu defendo que o consumo não seja mais considerado um crime, que o usuário não passe mais pela polícia, pelo Judiciário e pela cadeia. Mas a sociedade pode manter penas que induzam a pessoa a sair das drogas, frequentando o hospital durante um período, por exemplo, ou fazendo trabalho comunitário. Descriminalizar não é despenalizar. Nem legalizar, dar o direito de se consumir drogas. Os manifestantes da Marcha da Maconha, por exemplo, defendem a legalização, o direito de cada um fumar ou não o seu baseado. Eles defendem não só a legalização, como dizem: "Não faz mal". Eu não digo isso, porque ela faz mal. Agora, não adianta botar o usuário na cadeia. Você vai condená-lo, estigmatizá-lo. E não resolve. O usuário contumaz é um doente. Precisa de tratamento e não de cadeia. Eles podem argumentar: faz mal, mas eu tenho o direito de escolher. Aí é a posição holandesa. Lá você tem o indivíduo como o centro das coisas. Mas a Holanda é um país de formação protestante, capitalista, individualista: "Eu posso decidir por mim. Se eu quiser me matar, eu me mato". Lá, você não tem o nível de violência, de pobreza e de desinformação que tem no Brasil. Legalizar aqui pode significar realmente você alastrar enormemente o uso de drogas, de uma maneira descontrolada. Na Holanda, eles não tentam levar ninguém ao tratamento. Na cultura brasileira, funcionaria mais o modelo adotado por Portugal. Como é em Portugal? Eles descriminalizaram todas as drogas e deram imenso acesso ao tratamento. E como você não tem medo de ir para a cadeia, você procura o hospital. Eles fazem inclusive uma audiência de aconselhamento com o usuário. Portugal está hoje entre os países com a menor expansão do consumo de drogas na Europa Ocidental. Agora, eles combatem o tráfico. O filme diz que nunca existiu um mundo sem drogas. Antropologicamente, é verdade. O que não quer dizer que o mundo seja drogado! Agora, droga zero... Crime zero vai existir? Não vai haver nunca mais adultério? Mesmo no Irã, em que jogam pedra? Mas isso não pode dar o sentido de "então, libera". Se nunca existirá um mundo sem drogas, de que adianta proibí-las e deixá-las, ilegais, sob controle de traficantes? Posso te dizer com franqueza? Vai ter que diminuir o consumo. Como? Motivando, e não prendendo as pessoas. O cigarro foi transformado em um estigma. Não era assim há 20 anos. Tem que tirar o glamour da maconha. Ela pode trazer perturbações graves. Tem que haver campanhas sistemáticas, informação, educação. Os críticos da descriminalização dizem que uma droga leva a outras mais pesadas. Vamos falar sem hipocrisia: o acesso à maconha é fácil no Brasil. E o elo entre a droga leve e a droga pesada é o traficante. Se você não tem acesso regulado, vai para o traficante. E ele te leva da maconha para outras drogas. E como seria esse acesso? Em vários estados americanos, na Europa, há liberdade de produção em pequena quantidade, doméstica. Cada país tem que encontrar o seu caminho. No Brasil, imagina liberar a plantação caseira? Por exemplo. Descriminaliza e deixa alguma experimentação. Eventualmente, plantação caseira, por aí. Outra coisa: em alguns países da Europa, o governo fornece a droga para o dependente, para evitar o tráfico. Na Holanda, não é permitido se drogar na rua. Você tem locais específicos. Isso poderia acontecer no Brasil. Em SP, na cracolândia, o pessoal se droga na rua, à vontade. É melhor se drogar na rua ou ter um local específico? Isso não é liberar, é tratar como saúde pública. Na Holanda "coffee shops" vendem maconha. Eu fui lá. E experimentou? Não, não. Comigo não tem jeito. Eu não beijo sereia. Quer dizer, às vezes, sim. Mas não de drogas [risos]. A produção de maconha é ilegal na Holanda. Os "coffee shops" são solução meia-bomba. É uma coisa meio hipócrita. Debates sobre costumes são sempre interditados no Brasil. A campanha de 2010 mostrou isso, com o aborto. Eu fui contra aquilo. Esses assuntos não são de campanha eleitoral. E, se você não tiver coragem de ficar sozinho, não é um líder. Mas no Brasil tem uma vantagem: a proposta mais avançada no Congresso sobre drogas é do líder do PT, o deputado Paulo Teixeira. Ele esteve na minha casa, com o Tarso Genro [governador do Rio Grande do Sul], discutindo essa questão. Nossa posição é parecida. Uma parte da sociedade vai ser sempre contra, mas não estamos defendendo coisas irresponsáveis. A droga faz mal, eu sou contra o uso da droga, tem que fazer campanha para reduzir o consumo. Agora, a guerra contra ela fracassou. Tá aumentando o consumo, tá tendo um resultado negativo, tá danificando as pessoas e a sociedade. Vamos ver se tem outros caminhos. No filme, não estamos dando receitas, e sim abrindo os olhos. O senhor vai enviar o filme para Dilma Rousseff. A presidente, no entanto, tem se mostrado fechada a discussões sobre o tema das drogas. É o que dizem. Eu não sei. Não ouvi dela nada. Ela está saindo da campanha eleitoral e tal. Agora [rindo], precisa ver a posição do Lula. Álcool faz mais mal que marijuana. As ideias que o senhor declara hoje jamais foram aplicadas ou mesmo defendidas em seu governo. Naquela época, havia uma enorme pressão americana, sobretudo por causa de Colômbia, Peru e Bolívia, que exportavam pasta de coca. E houve uma certa militarização do problema. Os americanos fizeram a ONU aprovar uma convenção com o objetivo de acabar com as drogas. E fizeram muita pressão para o Brasil participar de um entendimento do ponto de vista militar. Nós nos recusamos. Mas houve cooperação. Nós tínhamos que mostrar que não deixamos de combater as drogas. Então criamos a Senad [Secretaria Nacional Antidrogas] com um duplo desafio: como é que diminuímos [as drogas] e como é que não nos amolam com essa questão. Fizemos esforços de erradicação de plantações no quadrilátero da maconha em Pernambuco, por exemplo. Eu acreditava nisso. O problema não era tão violento. Não estava no radar como hoje está. Mas eu confesso que não tinha a posição que hoje eu tenho, porque eu não tinha informação. Meu governo foi isso: ambíguo. FHC DISSE "Eu NUNCA vi cocaína na minha vida. Sei que é um pozinho branco, e tal Vamos falar sem hipocrisia: o acesso à MACONHA é fácil no Brasil.E o elo entre a droga leve e a droga pesada é o TRAFICANTE Em alguns países, o governo FORNECE a droga ao dependente; você tem locais específicos. Isso poderia acontecer no BRASIL"

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sem identidade

Naquela manhã foi difĩcil corpo e mente aceitarem qualquer comando. O fim de semana prolongado pelo feriado passara depressa. Era dia de batente e hora de ir ao trabalho. Olhou várias vezes o relógio, até se certificar que era impossível adiar o momento de se levantar da cama. Foi ao banheiro a contragosto e demorou-se cerca de dez minutos na privada, cochilou algumas vezes nesse intervalo. Finalmente, levantou-se e foi para a pia molhar o rosto e escovar os dentes. Voltou ao quarto, fez um alongamento para aliviar as dores nas costas e se vestiu lentamente. Escolheu aleatoriamente a roupa que iria usar, sem se preocupar com as cores que mais combinariam naquela manhã. Foi ao quintal, pegou o jornal, leu o que mais o interessava, com preguiça de fazer o café da manhã seguiu para o trabalho em jejum, no seu velho automóvel. Chegando ao destino, entrou no estacionamento. O funcionário lhe deu o ticket e estranhamente não o comprimentou. Seguiu pela calçada por alguns metros e entrou no edifício onde ficava o escritório em que trabalhava. Passou o crachá pela catracra eletrônica mas não conseguiu destravá-la. O vigia pediu seu nome e número da cédula de identidade, anotou com dificuldade os dados no papel sob a prancheta, abriu a portinhola lateral e o deixou entrar. Quando chegou na sala de trabalho encontrou outra pessoa em seu lugar. Bom dia, respondeu a pessoa sentada à sua frente. Posso ajudar? - Eu que pergunto, você está no meu lugar. - Engano seu. Esse é o meu lugar. - Vamos deixar de brincadeira, eu não te conheço e trabalho aqui há anos. Naquele instante, Regina entrou na sala: - Bom dia, Sergio. - Bom dia, responderam os dois praticamente ao mesmo tempo. - Espera aí, o Sergio sou eu. - Sergio, que brincadeira é essa?, disse Regina, quem é esse? Regina apontava para o homem que estava de pé à sua frente. - Para de brincadeira, Regina, vai dizer que nâo me reconhece, sou eu. - Eu também não sei quem é esse sujeito. Entrou de repente, pensei que fosse um cliente, mas ele começou dizendo que esse lugar era dele. - Vou chamar o segurança, disse Regina. Algum tempo depois, chega o segurança. - Qual é o problema, pergunta ele. - José, não está me reconhecendo? - Eu deveria? - Parem com a brincadeira, todos vocês! Qual é, tá todo mundo doido? Sou o Sergio, vocês me conhecem, sou colega de vocês há anos. - Acalme-se senhor, diz o segurança. - Esse cara entrou aí dizendo que era eu, que o lugar era dele, respondeu o homem que estava sentado. - Mas esse lugar é meu. Quer ver, deixa eu abrir a gaveta, vou mostrar fotos minhas e de minha mãe. Quase derrubou o segurança antes que ele pudesse impedi-lo de chegar à mesa. Não havia foto nenhuma, apenas um crachá com a foto do homem que estava sentado. - Olha não sei quem é você, nem o que tomou, mas já é hora de se retirar. A essa altura, várias pessoas foram atraídas pelo som da discussão, incluindo o diretor. - O que está acontecendo aqui, porque essa gritaria? - É esse cara, chefe, ele chegou aqui, disse que essa era a sua sala e que o meu lugar era o dele. - Desculpe, senhor, mas o que deseja. - Chefe, sou eu, o Sergio! - Ora, você não é o Sergio. A resposta do chefe o deixou atordoado. Saiu da sala correndo, esbarrando nas pessoas, necessitava respirar. Já na rua, foi a um bar, pediu água, tentou se acalmar, por ordem no pensamento. Pediu um café. O balconista era seu amigo. - Silvio, como vai. - Vou bem senhor. - Senhor? Ora, Silvio, corta essa, é o Sergio, que é isso, tá todo mundo louco, o que está acontecendo. - Sinto muito, senhor, mas é a primeira vez que o vejo. Saiu do bar desnorteado, pagou a conta com o pouco dinheiro que tinha. Na mesma rua, ficava a agência do banco onde era correntista. Chegou lá, fez o gesto para pegar a carteira e sacar o cartão de movimentação financeira, mas o bolso estava vazio. Foi até o gerente que na sexta-feira anterior havia lhe concedido um empréstimo. - Nascimento, estou numa situação esquisita, esqueci a carteira em casa, estou com pouco dinheiro no bolso, posso fazer um saque avulso no caixa? - Claro, afinal o senhor é correntista, não é mesmo? - Graças a Deus, Nascimento, você me reconheceu, disse, aliviado. - Reconhecer, não sei, mas se o senhor conhece o meu nome deve ser cliente da agência, embora não esteja lembrado de sua fisionomia. - Já sei, tá todo mundo de sacanagem. Estão todos de acordo. É uma grande combinação. É tudo brincadeira. Tão querendo me sacanear, todos vocês. Vou voltar ao escritório e dizer para todos que conseguiram me enganar e que a brincadeira acabou por aqui. Na entrada do prédio, encontrou com o mesmo vigia que viu pela manhã e com José, o segurança. - Tá bom, vocês me enganaram direitinho, mas agora chega, preciso voltar a trabalhar. - Senhor, isso já passou dos limites, vamos circulando, não sei como entrou no prédio antes, mas agora sou obrigado a retirá-lo do recinto. - Eu entrei como faço todas as manhãs, pela catraca,o seu colega vigia me viu entrar. Aproveitando um descuido do vigia e do segurança, ele pula a catraca e corre em direção ao escritório com José em seu encalço. O segurança e o vigia o alcançam. Ele tenta chegar às portas do elevador, mas José coloca as duas mãos em seus ombros com força. O homem tenta se desvincilhar, escorrega e bate a cabeça no assoalho. O choque faz com que perca os sentidos. Naquela manhã, estava escuro e foi-se clareando aos poucos. O sol começara a se propagar no quarto, pelas fendas da janela. Era segunda-feira imediatamente após o fim de semana prolongado pelo feriado. Dia de trabalho. Como por reflexo, ele tenta levantar o braço a procura do pulso para verificar as horas no relógio, é impossível, com o esforço o que sente é a agulha espetada na veia. Os braços, as pernas, estão finas e enrugadas. A cama é estreita, nas laterais há grades de ferro. Nela há um velho, alguém que sabe exatamente quem é e onde está. - Olha, ele abriu os olhos, ouve alguém dizer ao seu lado. Naquela manhã de segunda-feira pós-feriado, é inútil, a mente não comanda mais o corpo. O tempo se esgota, não há passado tão pouco futuro.

Correção

No post anterior atribuí ao caso Pimenta Neves mais morosidade à Justiça do que de fato. Corrigindo: de sua condenação à prisão, se passaram 11 e não 16 anos.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Caiu na prisão, já era.

A advogada do jornalista Pimenta Neves lamenta as condições deploráveis que seu cliente está submetido, recolhido que foi à prisão 16 anos depois de ter assassinado a jornalista Sandra Gomide e de ter sido condenado pela Justiça. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a Suprema Corte daquele país determina que o Estado da Califórnia reduza o déficit de sua população carcerária em 30 mil pessoas, preocupada que está com a violação de dispositivo constitucional que proíbe tratamento desumano nas prisões. Talvez você compartilhe da idéia que bandido bom é bandido morto e defenda a pena de morte para determinados crimes, como acontece nos Estados Unidos. Em alguns casos a realidade e a exploração sensacionalista da violência nos leva a pensar dessa forma. Sob essa ótica, que se danem os que vão para a cadeia. Que apodreçam! Pimenta Neves agora com 74 anos, deve deixar a penitenciária daqui a dois anos, prevêem os seus advogados. Em nosso País tudo é mais precário, desde a justiça que demora 11 anos para cumprir uma sentença (porque o condenado tem dinheiro suficiente para pagar os melhores advogados, o que não é o caso da imensa maioria dos imputados) às condições carcerárias, piores dos que a das masmorras da idade média. Pergunto se dentro dessas condições é possível recuperar algum detento. Aqui, como nos Estados Unidos a criminalidade aumenta, assim como o número de detenções. Estima-se que o crescimento anual da população carcerária brasileira é de 8,12%, enquanto o crescimento populacional é de 1,17% ao ano. São dados que merecem ser pensados. Um considerável segmento da população acredita que as nossas prisões são “a faculdade do crime”, mesma opinião compartilhada pelos detentos, segundo pesquisa da Fundação “Professor Dr.Manoel Pedro Pimentel”, a Funap, que trabalha a reintegração do detento à sociedade por meio da educação e do trabalho. “Mais de que uma expressão fácil (a cadeia enquanto faculdade do crime), essa definição toma corpo quando deparamos com o cotidiano das prisões – superlotação e população com altíssimo grau de heterogeneidade (delito, expectativas frente à vida, perfil comportamental)”, avalia a pesquisa. Ou seja, as penitenciárias brasileiras, salvo exceções, são verdadeiros amontoados de gente, de diferentes perfis, todos juntos, com praticamente nenhuma perspectiva de reabilitação e com amplas oportunidades de aprendizado dos mais variados tipos de crime. Outra constatação da pesquisa é relativa ao trabalho educacional e laboral feito nas prisões, considerado insuficiente e ineficaz pelos próprios presos, por ser mal-remunerado, cerca de R$ 120 (em 2006) mensais no tocante ao trabalho, e irregular no que se refere às constâncias dos cursos e sua inutilidade para a vida fora dos muros da prisão. Diferente do que se queira pensar, o preso quer trabalhar, avalia a pesquisa, e sua demanda principal é por cursos técnicos que possa utilizar quando sair da prisão. Apesar de extensa e, por isso mesmo, bastante complexa, vale a pena conhecer outros dados da pesquisa

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Tempo perdido

Li que a gente perde cerca de quatro anos de nossas vidas nas filas. Desconfio que seja muito mais. Você já se deu ao trabalho de calcular? A gente só se dá conta dessas coisas quando vai ao banco e dá de cara com dezenas de pessoas esperando para serem atendidas, na espera do lançamento da última novidade em tecnologia, no cinema para assistir ao filme do ano, nas repartições públicas, hospitais públicos, e privados, também. Acontece com todo mundo, em diferentes ocasiões. Comigo a mais recente foi para renovar o passaporte. Esse é o tipo de coisa que deve ser feita bem antes da viagem, de preferência ao nascer, antes mesmo de se decidir se vai ou quando irá viajar, pois parece que ultimamente todos querem escapar do país, uns temporariamente outros para sempre. Vai ver que é pra fugir das filas e de outras coisas desagradáveis que aqui acontecem. É arriscado. Vai que no país escolhido a fila é ainda pior. Por isso, prefiro ir para países mais civilizados, onde a chance de pegar fila é menor. Mas aqui... quer ver? Agora é possível agendar dia (quando tem um disponível) e horário para tirar passaporte. Beleza, não é? Com sorte, a espera pode não demorar muito. No meu caso, esperei mais de um mês para conseguir agendar atendimento. Uma vez agendado, mais de uma hora de fila além do previsto. Palmas para a organização da Polícia Federal. A chamada é pela hora de agendamento, sem tratamento especial para pessoas de idade ou para pais com crianças pequenas. Presenciei uma senhora idosa com dificuldades de locomoção aguardar na fila, em pé. Demorou um pouco, mas uma funcionária, vendo-a em apuros, conseguiu um lugar no banco de espera. A educação do povo era comparável aos dos atendentes, com ligeira vantagem para os segundos. Vamos ser justos, os funcionários foram duros, mas respeitosos. Já a senhora teve que apelar para a boa vontade das pessoas. Foi difícil. Uma senhora com uma criança pequena demorou um pouco, mas pegou a filha que estava sentada e a colocou no colo. Comparando os perfis de quem saiu para quem deveria sentar, o espaço, lógico, era insuficiente. Um casal relutou até decidir se deveria e quem cederia o lugar. O cavalheirismo sucumbiu, coube à mulher se levantar. Um outro funcionário estava determinado a fiscalizar a posição exata dos ocupantes na fila, inclusive para solicitar a um senhor para se afastar alguns centímetros de um imaginário limite que demarcava o início da fila. Sua outra tarefa era fiscalizar se os documentos estavam em ordem. Finalmente, chegou a minha vez de adentrar ao recinto onde todos seriam finalmente atendidos. A derradeira etapa foi superar mais meia dúzia de pessoas que aguardava a vez sentada em um banco. O mesmo funcionário pedia que as pessoas se espremessem no assento para dar lugar aos outros que eram enfiados no local. Depois eram chamadas uma a uma para o atendimento, impressão de digitais e tiragem de fotos. Atrás de mim, a mesma senhora, com a filha pequena e o marido, aguardava a sua vez. Outro casal, também com uma criança pequena, mas que não estava na fila, passou na frente de todos, sem que se saiba qual foi o critério usado, para surpresa do primeiro casal que teve de agüentar todo o transcurso da maratona. Confesso que pensei em ceder o meu lugar, mas, egoisticamente, recusei determinado que estava a não permanecer um segundo a mais além do que me cabia. Assim, completei mais de uma hora de espera, que podia acumular, por exemplo, para tirar uma licença de piloto de avião, se essa fosse, nessa altura da vida, a minha pretensão. Ou será que piloto também necessita de tanto esforço para tirar passaporte?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Um brasileiro na Coréia do Norte

Um amigo meu costuma me apresentar como um dos poucos brasileiros a pisar em Pyongyang, a desconhecida capital da Coréia do Norte. Muita gente se lembra da Guerra da Coréia, iniciada em 1950,cujo resultado foi a divisão das duas Coreias, a do Sul, que ficou sob influência do Ocidente, e a do Norte, do regime comunista, sob a órbita da China. Milhares de pessoas, soldados e civis, morreram no episódio que ainda hoje repercute. A partir dessa explicação rápida e simplista começo a contar como fui parar lá. Meu episódio na terra de King Il-Sung e de seu filho King Jong-Il é o típico lance do acaso. Estava preocupado em fechar as minhas páginas como editor de Internacional, do semanário Voz da Unidade, do PCB, quando toca o telefone. A redação estava vazia naquela tarde, por isso atendi a chamada pessoalmente. Era de Havana,da Embaixada norte-coreana, uma voz se identifica como representante da representação diplomática e convida uma delegação do jornal para visitar seu país. Parece coisa de trote telefônico, mas por via das dúvidas, anoto o número e repasso o que ouvi à direção do Partidão. De pronto me escalo para fazer parte da delegação. Não era trote. Os norte-coreanos achavam, não sei porque razão, que o partido poderia influenciar o governo brasileiro a estabelecer relações diplomáticas com o país deles. Completo erro de avaliação já que nossa influência perante o governo era igual a zero. Achavam que a melhor forma seria a publicação de uma reportagem sobre o país. A tiragem do Voz devia estar em torno de uns 30 mil exemplares, quase toda distribuída entre a militância. Assim mesmo, alguns dias depois providencio os meus documentos e me preparo para a viagem. Nossa delegação é composta pelo colega Alon Feuerwerker e João Aveline, diretor-responsável pelo jornal. Pouco tempo depois iniciamos nossa jornada. Embarcamos em São Paulo e fazemos escala em Lima, Peru, depois Havana, Cuba, onde recebemos os documentos necessários para entrar em Moscou, ex-URSS, nossa última escala rumo à Pyongyang, uma longa viagem, de mais de 30 horas de voo. Entramos clandestinos na Coréia do Norte, nos nossos passaportes apenas o registro de entrada em Havana. Na capital norte-coreana,visitamos escolas, bibliotecas, museus, vimos muita coisa sobre a guerra,fotos, reprodução de casamatas, a história da quase completa destruição da cidade. Admiramos as reconstruções dos originais palácios de estilo oriental e de remota época, que foram abaixo pela força das bombas, uma a cada km2, segundo nos contaram. Fomos até Panmunjon, onde está o Paralelo 38, que divide as duas coréias e onde foi assinado o armísticio,que fez cessar as hostilidades, mas não a guerra, que oficialmente continua pois não foi assinado um tratado de paz. Vimos do outro lado pelo binóculo soldados dos EUA de sentinela, confirmação da presença norte-americana na fronteira, visitamos uma gigantesca obra de engenharia feita para ganhar alguns quilômetros de terra para ampliar a área agriculturável do país, reduzida em decorrência do solo rochoso do País. Passamos por construções milenares no Interior, pontes e jardins de um das mais antigas civilizações mundiais. Foram nove dias de visita, quase que totalmente monitorada, com exceção de um passeio noturno pelo parque vizinho ao Hotel em que ficamos. Lembro-me de ver muitos civis, quase sempre com um livro na mão. Vimos também muitas estátuas do Grande Líder, como era chamado King Il-Sung, que, na época, anos 1980, ainda era vivo. Lembro-me de Aveline comentar bem baixinho: "esse pessoal é maluco, coisa de doido, de tarado" sobre o imenso trabalho de doutrinação e de culto à personalidade, que continuou com a sucessão dinástica do poder. Recordo-me de nosso interprete, um rapaz muito simpático, que aprendeu Português, em Lisboa, com o sotaque lusitano carregado explicar a razão de tanta adoração. A guerra tinha vitimado milhares de coreanos, todos homens, restaram as mulheres e uma imensa quantidade de órfãos. King Il Song construiu orfanatos e se tornou uma espécie de pai da nova geração, os filhos-sobreviventes da guerra. Um integrante do partido comunista norte-coreano reforçou a história e me mostrou um relógio que, segundo ele, foi dado aos jovens órfãos pelo próprio King Il Song. Foi assim que fui parar no outro lado do mundo, em um pequeno e hermético país oriental, que se recusa a modernizar.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Desenho do Autismo

Uma viagem. É que eu posso dizer das pinturas de Darwing Autism (Desenho do Autismo), livro disponível apenas em Inglês mas que pode ser adquirido pela internet, com imagens de obras de arte de pessoas diagnosticadas com autismo. É uma viagem sob o imaginário e a criatividade desses artistas, de amadores a artistas consagrados, e sua compreensão de vida, sentimentos que para nós nos parecem herméticos. O livro conta com descrições dos artistas sobre o que os inspirou. A autoria é do educador Jill Mullin, que reuniu os trabalhos,com introdução de Temple Grandim, personagem verídica do filme prêmio Emmy "Brilho Eterno de uma Mente Autista" (trailler acima), produzido para a TV pela HBO, e estrelado por Claire Danes, também premiada por sua atuação. O livro pode ser adquirido pela internet. Parte dos rendimentos é destinada a um trabalho de apoio e incentivo à arte de pessoas portadoras de autismo. Mais informações no Facebook.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Solidariedade à ministra que afiançou meu aluguel

Não faço parte do chamado Mundo da Cultura porque não sou produtor cultural, apesar de metido a escrever alguns contos desprentensiosos. Mas acompanho todo o debate, ou melhor dizendo, toda a tentativa de crucificar a ministra Ana de Hollanda, que conheci há muitos anos, quando compartilhamos do mesmo partido político e do mesmo local de trabalho. Eu era assessor de imprensa da Associação dos Funcionários do Banespa (Afubesp) e ela responsável pelo trabalho cultural da mesma entidade. Ana, gentilmente, foi fiadora de meu aluguel, nos tempos de penúria e baixa remuneração.Paguei direitinho o aluguel, de modo que não criei grandes problemas à minha fiadora. Na ocasião, minha mulher trabalhava na ex-Secretaria Estadual do Menor e, na época, abriram-se os arquivos da Fundação de Proteção ao Menor (Febem). O músico, compositor e escritor Chico Buarque tinha uma ficha lá, do tempo em que, aos 17 anos, resolveu com os amigos dar uma volta de carro, em São Paulo, pegou "emprestado" um na rua e foi capturado pela polícia. Minha mulher conseguiu uma cópia que entreguei à Ana que, por sua vez, a enviou ao irmão. Graças a essa gentileza,ganhamos ingressos grátis para o show de lançamento do novo disco de Chico. Segundo seu próprio depoimento, a ficha, com a sua foto, lhe serviu de inspiração para a compor a música A Foto da Capa, do disco Para Todos (sinal que alguma contribuição demos à cena cultural). Bem, essa história toda a pretexto de dizer que, ao meu ver, Ana entrou em uma barca furada ao aceitar o cargo de ministra. Me parece que ela é uma estranha no ninho do PT e, quem conhece o partido, sabe o quanto ele está cheio de cobras. Ana está sob bombardeio, resta saber quanto tempo vai aguentar tamanha pressão. À minha ex-fiadora e amiga daqueles tempos, minha solidariedade.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Justiça sem julgamento não é justiça

Sempre fui crítico da política externa norte-americana, mas reconheço que gostaria de ver praticados no Brasil alguns valores da sociedade norte-americana. Há cerca de dois anos estive em Nova York, em viagem de lazer, com a minha mulher. Fiquei admirado com o clima de civilidade da cidade, o seu caráter cosmopolita (as conversas nas ruas em vários idiomas), os museus de arte. Também visitei Washington e, entre os diversos museus, fui ao Spy Museum, onde comprei um boné com a foice e o martelo, que todos sabem é o símbolo do comunismo da ex-URSS. Só para textar a conhecida Primeira Emenda sai com ele pelas ruas de Washington DC. Não fui importunado. Tive apenas de responder a pergunta de um americano, turista como eu, em um ônibus de turismo, que questionou se eu sabia o significado do símbolo em meu boné. Tudo dentro do maior grau de civilidade. Respondi que sabia e que tinha comprado o boné em seu próprio país. E foi só. Nenhuma palavra a mais, nenhuma discussão, nenhuma hostilidade. Quer dizer, a liberdade de expressão funciona mesmo. Apesar de reconhecer esses valores discordo de outros, como muitos norte-americanos, entre os quais o jornalista Michael Kepp, que, em artigo publicado na Folha, de hoje, disse que tinha vergonha de ser americano por causa dos festejos da morte do terrorista Bin Laden. Kepp discordou das palavras do presidente Obama, para quem se fez justiça. Concordo plenamente que não pode haver justiça sem julgamento e com a morte sumária de quem quer que seja, até mesmo de um terrorista como Bin Laden. A associação com os líderes nazistas capturados e submetidos ao célebre julgamento em Nuremberg para mim é automática. Em Nova York, visitei o memorial às vítimas das Torres Gêmeas e me comovi com as milhares de pessoas que morreram, inclusive os mais de 400 policiais e bombeiros que deram suas vidas para salvar pessoas que estavam sob os escombros. Foi um crime inominável, que não merece perdão e uma atitude de grande despreendimento de pessoas como aqueles bombeiros e policiais. A minha admiração não impede de ser crítico da política externa dos Estados Unidos. Só ela explica a quantidade de ódio gerada contra os EUA, que coloca em risco os seus próprios compatriotas. Ela contradiz a tradição e a noção de justiça nos EUA, tão bem ressaltadas em alguns filmes, antes da onda dos Rambos e outros congêneres. Também não combina com tortura de prisioneiros, invasões a outros países e bombas jogadas a torto e a direito, sem distinguir civis de inimigos, a pretexto de ser o bem em combate com o mal, dicotomia mais do que furada.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Ela de novo

Para a coluna Panorama Político, de O Globo, Marta Suplicy quer disputar novamente as eleições para a Prefeitura de São Paulo. Segundo a coluna, ela se considera a única em condições de derrotar José Serra em uma eventual disputa eleitoral. Sua candidatura depende do aval do ex-presidente Lula, que estaria decidido a controlar as rédeas da campanha na capital paulista.

Obama não ousaria

A coluna de Dora Kramer traz como texto secundário, porém igualmente importante, comentário sobre a hipótese que considera absurda de que a morte do terrorista Osama Bin Landen tenha sido forjada para favorecer a campanha pela reeleição de Barak Obama. Não acredito que Obama pudesse ousar a se expor tanto quanto o seu antecessor George W Bush, que justificou a invasão do Iraque baseado na mentira de que Sadan Hussein teria armas nucleares escondidas. Muita gente acreditou, durante muito tempo nessa hipótese. O mundo vem presenciando muitos absurdos ultimamente.

San Francisco