quinta-feira, 21 de maio de 2020

'Governo militar democrático'? Imagina se fosse hoje!

Em uma reportagem de TV sobre uma manifestação recente próxima do Palácio do Planalto, vi uma faixa com o seguinte enunciado “Por um governo militar democrático” e a associei a um episódio do livro “Ex-presos políticos: memórias e conquistas”, publicado em 2014 pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado, na gestão da secretária Eloisa Arruda. Na época, era coordenador de Comunicação da pasta e o livro cujo tema é a Comissão de ex-presos políticos aborda um episódio do governo militar (1964-1985). O pais vivia sob rígida censura à imprensa e o regime militar tentou esconder da população uma epidemia de meningite ocorrida entre os anos de 1972 e 1974, que registrava em média 1,15 mortes por dia (bem menos do que os atuais números da atual pandemia). Dois jornalistas chegaram a ser presos e levados ao DOI-CODI para serem torturados, por terem divulgado reportagens sobre a epidemia e suas detenções foram denunciadas pelos jornais Jornal da Tarde (que deixou de ser publicado anos mais tarde) e o Estado de São Paulo. Por falta de conhecimento público e de providências por parte do governo federal e, em especial, do governador biônico (indicado pelo regime militar) de São Paulo Laudo Natel (que morreu na semana passada aos 99 anos), não foram tomadas as necessárias providências para conter a ameaça. Natel proibiu que a notícia fosse divulgada à imprensa. Como consequência, o pico da epidemia no Estado atingiu 18 mil pessoas e provocou a morte de 200, conforme o livro “A ditadura encurralada”, de Elio Gaspari, citado na obra que me refiro acima. Se o atual governo federal na democracia – insistindo em minimizar a pandemia - causa os estragos que todos sabem, imagino quais seriam as proporções da atual pandemia em um “governo militar democrático (sic)”, como preconizado pela faixa do último domingo. Na foto, o general presidente Emílio Medici e o ex-governador Laudo Natel.


Um país sem rumo, 5 milhões de favelas e uma pandemia



Já de algum tempo venho pensando o quanto somos efêmeros e como a vida é breve. Eu sei que qualquer um está sujeito a morrer de repente: crianças, jovens, adultos e velhos, em algum tipo de acidente ou por doença furtiva. Perdi um sobrinho aos 22 anos e meu irmão quando ele tinha 51 anos, vítimas do câncer. Meu pai e mãe morreram octogenários. Alguns conhecidos e amigos meus de juventude já se foram, assim como vários dos ídolos de minha geração, na música, literatura e política. Gente importante da nossa cultura morreu, por coincidência ou não, nesse período de pandemia, tal como dois grandes compositores populares e alguns jornalistas que fizeram história na imprensa, para citar alguns desses talentos, que são raros. Estamos há dois meses vivendo de casa a pior crise mundial após a segunda grande guerra e talvez a mais significativa e divisora de águas do presente Século. Muitos estão obedecendo as recomendações médicas e de organizações de saúde mundiais, evitando sair de suas casas, outros se arriscam em atividades essenciais, como médicos e enfermeiros, trabalhadores da limpeza pública nas ruas e hospitais, carteiros, funcionários do comércio que ainda está autorizados a funcionar como os supermercados, operários de fábricas, energia elétrica e outros que estão se revelando heróis de nossos dias. Há também os que precisam defender o pão de cada dia porque a ajuda do governo é insuficiente ou não chega as suas mãos, vendedores autônomos, catadores de reciclados, pessoas em situação de rua, os prejudicados pela realidade social e pela grande disparidade de renda, que vivem em condições insalubres em favelas e comunidades. Nunca a desigualdade social ficou tão aparente aos olhos dos cidadãos como agora. Há a população de grupos de risco como as pessoas idosas ou que tem conformidades como os cardíacos e obesos, que precisam ficar em casa, em isolamento social e há outros que não enxergam a gravidade da situação ou se mostram insensíveis às mazelas da humanidade e que já fecharam os olhos e se mostram indiferentes às desigualdades e dificuldades de uma parcela expressiva da população. Estes se deixam envolver por moinhos de vento, por medos e ódios injustificáveis, pela ameaça comunista, vociferam contra a corrupção, apesar de viver tão perto dela, e desafiam as recomendações médicas porque querem ou não se importam com as outras pessoas. Por ignorância ou arrogância, esses são cúmplices das situações que contribuem para o colapso dos hospitais, para as centenas de covas abertas nos cemitérios. Talvez, quem sabe, se a tragédia os tocasse de perto pensariam diferente. Quantos filhos perderam os pais, mães, os filhos, ou sequer os conheceram quando nasceram porque contraíram a Covid-19 quando grávidas, famílias inteiras contaminadas que morreram juntas, pessoas de todas as idades e situações. Pessoas que sobrevivem em péssimas condições de vida, desse país que possui 5 milhões de favelas e outras tantas que moram em habitações insalubres, sem água e esgoto. Oficialmente mais de 17 mil pessoas morreram e centenas de outras morrerão no Brasil, possivelmente sem sequer conseguir uma vaga nas UTIs. E ainda não atingimos o ápice da pandemia, logo ultrapassaremos os Estados Unidos em número de contagiados pelo coronavirus. Esse é um recorde que se continuarmos assim se deve ao pior e mais insensível governante que tivemos. Até ontem, mais de 270 mil infectados no Brasil e mais de mil mortes ao dia. No Mundo são cerca de 1 milhão de contaminados. A economia mundial está em recessão e não se sabe até onde vai a crise. Antes é preciso vencer a pandemia, mas após ela, dias difíceis também vamos ter de ultrapassar. Vocês sabem quem, não ajuda. Passei por diversas fases em minha vida, fui uma criança com uma boa infância, um adolescente cheio de vida, um jovem que curtiu coisas boas, uma pessoa idealista que pensou em construir uma sociedade nova, um adulto que trabalhou para dar boas condições para os meus filhos, bem casado, com uma mulher que é minha parceira. Paguei impostos e dei uma pequena contribuição à sociedade com o meu trabalho e meu consumo para mover a roda da economia. Já fiz coisas ruins e estúpidas também, sou um ser humano imperfeito como todos nós. Estou preocupado e sei que não estou só. Não por medo da morte, não quero morrer, mas se for o caso não vou me importar de partir, mesmo que tenha que abreviar o meu tempo em dez ou quinze anos. Mas tenho receio de adoecer e contaminar a minha família. Meu sono é intranquilo, assim como de muitos brasileiros. Esse texto não é para propor nenhuma solução, é apenas um desabafo. Espero que todos possamos viver dias melhores.
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San Francisco