sábado, 31 de março de 2012

Armênio Guedes, cidadão paulistano


Aos 94 anos, o jornalista Armênio Guedes foi homenageado ontem à noite com o título de Cidadão Paulistano, na Câmara Municipal de São Paulo, por iniciativa do vereador Eliseu Gabriel (PSB).
Tardia e ao mesmo tempo sinal dos novos tempos, a homenagem a Armênio Guedes ajuda a História a resgatar a figura de homens como ele que arriscaram a própria vida pela democracia e pelo progresso da humanidade.
Considerado um “marxista heterodoxo” por um vídeo exibido na ocasião, a definição seria contestada pelo cientista Luiz Hildebrando, um dos muitos que compareceram à cerimônia, assim como o pré-candidato do PSDB a prefeito, José Serra,  o senador Aloysio Nunes (PSDB), o jornalista Paulo Markun, apresentador da cerimônia e amigo do homenageado, o advogado Marcelo Cerqueira, o jornalista Marco Antônio Coelho, o frade Osvaldo Resende, o ex-ministro Eros Graus e a vice-prefeita Alda Marco Antonio.
Aos poucos a sociedade brasileira vai reconhecendo personalidades que contribuíram positivamente para o seu progresso, como Luiz Carlos Prestes, com seus erros e acertos, dirigente maior do mesmo  PCB (Partido Comunista Brasileiro), que durante 28 anos foi o partido de Armênio.
O homenageado deixou o Partidão em 1983, por não concordar com a sua ortodoxia, sendo ele portanto, como lembrou o jornalista Marco Antônio Coelho, que também dedicou os seus mais de oitenta anos a pensar novos rumos para o País, e, também, José Serra, como uma personalidade heterodoxa, porque aberto a novas ideais.
Serra, Aloysio, Almino Afonso e Ulrich Hoffmann, conviveram com Armênio no Chile, durante o exílio político que lhes foi imposto pelo regime militar.
No Chile, criaram um comitê de denúncias contra a ditadura e chegaram a convocar um dos mais importantes fóruns internacionais pelos direitos humanos, o Fórum Bertrand Russel, que condenaria a ditadura por seus crimes e violações ao ctregime democrático.
Serra lembra que escreveu um texto intitulado de “Gorilas para todos os gostos” para a revista que publicaram e tomou uma reprimenda de Armenio Guedes que argumentara haver diferenciações entre os próprios dirigentes do regime e que era preciso agir em torno dessas contradições.
Quem trazia os documentos sobre a tortura no Brasil, era uma sobrinha do general Ednardo (DÁvilla Mello, da linha dura do regime), lembra Serra. Os documentos vinham envoltos em livros. Quando o esquema foi descoberto, os autores das denúncias, foram eles mesmos presos e torturados.
Armênio Guedes se autodenominava de “comunista avulso” ou comunista sem partido, que depois passou a se dedicar com mais intensidade ao jornalismo.
No PCB, trabalhou em diversas publicações do Partidão. Ingressou no partido, que recentemente completou 90 anos, já como PPS (Partido Popular Socialista) nos tempos da Universidade, quando ingressou no Cursou de  Direito. O ano era 1935, marcado pelo episódio que ficou conhecido como Intentona Comunista, seguido de intensa perseguição aos comunistas.
Contemporâneo de Prestes, Armênio Guedes recorda, no vídeo exibido com seu depoimento, a maneira emocionada como o secretário-geral recebeu a notícia da morte de sua companheira Olga Benário, pelos nazistas, deportada e entregue por Getúlio Vargas aos seus carrascos.
A atriz Camila Morgado, que interpretara Olga no cinema, aparece no vídeo lendo trechos da carta de despedida escrita pela companheira de Prestes na prisão.
A despeito das ações de Getúlio Vargas, que perseguiu e matou comunistas e oposicionistas e que no início flertara com o regime de Hitler, os comunistas passaram a apoiar o regime, quando ele revê sua posição a favor dos aliados.
O governo brasileiro passa a enviar os soldados brasileiros da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para combater os nazi-facismo, ao lado dos aliados, na 2a. Guerra Mundial.
Armênio Guedes foi o autor do documento da conhecida “Conferência da Mantiqueira”,  em 1941, quando o PCB passa a defender Getúlio, mesmo com as perseguições aos comunistas e a violência cometida contra Prestes.
Em 1945, o PCB bastante prestigiado e fortalecido consegue a sua legalização, ainda por um breve período, quando teve o seu registro cassado, após o golpe que depôs Getúlio, em 1948.
Baiano de Mucugê, nascido em 30 de maio de 1918, Armênio Guedes, o “comunista avulso”, mas homem de partido durante a maior parte da vida, viveu as decepções do socialismo, após a denúncia dos crimes de Stalin, combateu o radicalismo do esquerdismo pequeno-burguês que optou pela luta armada durante o regime militar, defendeu a constituição da frente democrática e continuou sendo referencia de esquerda mesmo depois de sua saída do PCB.
Esse foi o homem homenageado como cidadão paulistano. Um baiano, adotado por São Paulo, cidade onde passou grande parte de sua vida.
Um dos momentos mais emocionantes da noite foi a execução do Hino da Bahia., pouco conhecido dos brasileiros de outros estados, cuja letra, de autoria de Ladislau de Santos Titaro, é repleta de menções ao combate à tirania, pela derrota final portuguesa na luta pela Independência do Brasil.
“Nunca mais o despotismo
Regerá nossas ações
Com tiranos não combinam
Brasileiros corações”, diz uma de suas estrofes.
Foi a Bahia que abrigou e “gerou” diversas personalidades do movimento comunista brasileiro, o “Grupo Baiano” do PCB, responsável pela reorganização do partido. Era uma espécie de “retiro dos comunistas”, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, já que o governador na época, Jutahy Magalhães, foi mais brando do que os outros governadores.
A cerimônia que outorgou o título de cidadão paulistano a Armênio Guedes aconteceu na noite de 30 de março, véspera da data em que há 48 anos aconteceria o Golpe Militar de 1964.
Foi uma merecida homenagem a um homem que combateu o atraso representado por mais um (o mais longo) entre tantos outros períodos de obscurantismo da história contemporânea brasileira que presenciou, tendo como pano de fundo a imagem de um grande lutador da causa social e da democracia.

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