Silvano Tarantelli
Uma onda imigratória varreu o mundo e vem
alterando conceitos e provocando mudanças. Lances repletos de dramaticidade
acompanham o drama dos imigrantes que precisam superar obstáculos quase
intransponíveis em busca de novas oportunidades e das muitas vidas que foram
perdidas, incluindo crianças.
Ao mesmo tempo, o fenômeno é dos mais importantes vetores de
transformações do atual século, embora tenha sido assim no passado também, em
crises após as duas guerras mundiais, por exemplo.
A tensão provocada por essa corrente imigratória vai
continuar ao longo da História, enquanto houver fome provocada por catástrofes
climáticas, conflitos alimentados por interesse escusos e apoio a regimes
autoritários, que assassinam opositores e expulsam as pessoas de seus locais de
origem.
É o principal desafio enfrentado pela humanidade no momento
e seus efeitos irão repercutir nos campos econômico, político e cultural das
nações que acolhem os imigrantes e refugiados. Sabendo enfrentá-lo o mundo
saberá superá-lo.
De um lado, é preciso pressionar os governos para adotar as medidas que vêm ensaiando e que são
difíceis de implementar para minimizar os estragos causados pela interferência
humana na natureza. Combater os efeitos sobre o clima causados pela emissão de
gazes tóxicos na atmosfera, em busca de formas de energia limpas e menos
poluentes.
De outro, enfrentar as causas e efeitos dos conflitos
regionais e privilegiar uma cultura de paz e colaboração. Os efeitos do colonialismo, as
tensões entre as superpotências e as imposições do capital e dos interesse
econômicos provocaram efeitos negativos em diferentes continentes, inclusive na nossa América do Sul. Os impactos foram brutais: fronteiras foram
impostas artificialmente e estados se desmancharam dando origem a outros.
Vencidos os ditames da polarização entre sistemas diferentes
com o fim da guerra fria, os controles se tornaram mais sofisticados e complexos
e provocaram mudanças inclusive nos grandes centros do poder, governados em
nome da sociedade mas a serviço das grandes corporações, de amplitude global do
capital internacional.
A crise enseja mudanças para o bem ou para o mal. Pode
implicar na troca da política de submissão pela da cooperação entre os países.
O poder econômico pela solidariedade. Ou ódio e a intolerância presentes entre
alguns segmentos da sociedade vão se fortalecer. Nossas escolhas irão
influenciar ou uma ou outra dessas tendências.
O fato é que as nações que se desenvolveram sem se preocupar
com os efeitos que causaram sobre as outras estão agora presas na armadilha que
criaram. Os prejudicados estão batendo
às suas portas vindos principalmente da África e do Oriente Médio. Os governos europeus, por sua vez, estão como
se poderia dizer em uma “sinuca de bico” sem saber como dar conta das centenas
de milhares de refugiados e imigrantes, homens, mulheres e crianças que
arriscam diariamente suas vidas cruzando fronteiras ou em embarcações precárias enfrentando longas
travessias marítimas.
O movimento gera grandes correntes de solidariedade mas
também origina a cultura de intolerância por parte de segmentos da população
que vem se organizando e conquistando influência política.
A extrema direita ganha
força em algumas partes da Europa, como na Áustria, com a eleição recente de um
governo cuja principal plataforma é impor limites ao ingresso de imigrantes no
país.
Tomo conhecimento pela imprensa que imigrantes haitianos
estão deixando o Brasil para se dirigirem ao Chile em busca de um país de
economia mais estável.
Acompanhei a onda imigratória haitiana em São Paulo durante
a sua crise mais aguda. Na época, trabalhava como responsável pela assessoria
de comunicação da Secretaria estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania.
Dois fatores influenciaram a escolha dos haitianos pelo
nosso país: primeiro, nossa influência como integrantes da missão de paz da ONU
no Haiti e a imagem vendida pelo governo federal de um país próspero e com as
portas abertas para a imigração. Faltou estrutura para receber os imigrantes,
como se pode ver com o ingresso desordenado pela fronteira do Acre de pessoas
que ficaram amontoadas em acampamentos improvisados e o envio como se fosse
gado para outros estados, sem aviso prévio aos governos estaduais e municipais.
O Brasil sempre foi um país hospitaleiro. Embora isso também
teve as suas conveniências e conseguiu fortalecer uma imagem. As primeiras
ondas imigratórias europeias vieram substituir a mão de obra escrava, abolida
alguns anos antes, na forma de trabalhadores assalariados. Registre-se que o
nosso país foi um dos últimos a abolir a escravatura e só o fez sob pressão da
Inglaterra, na época a maior potência econômica mundial, porque a escravidão
era contrária aos interesses econômicos do Império e ao avanço das forças do
capital.
A imigração, como se sabe, foi benéfica ao desenvolvimento
econômico, e continua sendo. Os países que enxergam essa oportunidade se
desenvolveram mais e em todos os sentidos.
Apesar de gente como Donald Trump que quer construir um muro
separando os Estados Unidos do México,
alguns países souberam integrar os imigrantes à sociedade. E eles conseguiram
se sobressair, em todos os campos. É o caso de Barak Obama, nos Estados Unidos,
e de Sadiq Khan, em Londres. O primeiro, eleito o primeiro presidente negro da
História norte-americana e o segundo, o
primeiro mulçumano escolhido pelos eleitores para ser prefeito de Londres. Os
dois são filhos de imigrantes: de pai africano, no caso do presidente norte-americano,
e asiático, origem dos familiares do britânico.
Com otimismo, creio que as soluções serão encontradas e a
vontade política de resolver os presentes problemas vai prevalecer de forma
satisfatória. Indo além, espero que possamos transformar em realidade a utopia
sonhada por muitos humanistas: um país sem fronteiras, pode ser possível um
dia. Vamos acreditar que sim.
Publicado originalmente no portal da Afropress http://www.afropress.com/post.asp?id=18938
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