domingo, 28 de agosto de 2011

Tome um bom conselho: se voar esteja seguro de onde irá parar


Numa noite dessas me vi levitando e, como a janela estava aberta, sai para dar um passeio. Afastei-me de casa, passei rasando por outras, mas logo tive que subir mais para desviar dos edifícios que se aproximavam. Tudo era muito bonito visto lá de cima, as luzes da cidade, os carros transitando, os edifícios e as casas. Após alguns minutos de vôo me vi sobrevoando o centro da cidade. Nesse momento fui perdendo altura e estacionei na calçada. Pelo inusitado da aventura não senti frio quando voava. Mas uma vez no chão, percebi que estava tremendo, ainda mais porque vestia apenas cueca e camiseta, em pleno inverno. Senti uma vontade tremenda de voltar a levitar, mas sem sucesso permaneci no chão. Embora ninguém reparasse em mim, me senti envergonhado por estar naquela situação e busquei algo com que pudesse me cobrir. Havia muito papelão e jornais no chão e ao me aproximar para pegar um pouco percebi que algo se mexia por baixo deles. Eram pessoas, uma quantidade enorme delas que dormia em longas filas. O estranho é que dias antes eu passei por ali, como um cidadão qualquer, e as pessoas que vi eram outras, a maioria bem vestida que passava apressada de um lado ao outro, preocupada com seus afazeres, assim como eu. Na calçada àquela hora percebi que a população do centro da cidade muda. São outros que ocupam as calçadas, cada um em seu canto, para passar a noite. São dezenas, quando não centenas, de desabrigados que também não se dão conta uns dos outros. Como aquele outro povo, que a luz do dia só pensa em trabalhar, eles se preocupam em sobreviver por mais uma noite. É outro povo misturado ao lixo produzido durante o dia. O mesmo lixo que será retirado cedo, nos primeiros raios de luz natural, pela faxina do serviço público que irá limpar todos os vestígios da noite anterior. Ninguém saberá que esses habitantes noturnos existem, haverá apenas os trabalhadores de escritórios que os substituem. Fui à busca de algo para me cobrir. Revirei o lixo, peguei alguns plásticos e improvisei uma vestimenta. Sem poder voar, me aninhei em um canto para também sobreviver àquela noite que prometia ser impiedosa. Tentei, mas não conseguia dormir, apesar do sono. Bateu um desespero, o frio castigava sem piedade. Foi quando, lá pelas tantas, senti aliviado que voltava a levitar. Tratei de sair logo dali, tomei o rumo de casa e pouco tempo depois estava em meu lar novamente. Deitei-me, puxei o lençol e o cobertor. Gratificado por estar ali, me preparei para dormir, mas algo me incomodava. Perguntei-me onde andaria aquele povo que eu vi nas ruas aos montes. Eu nunca os tinha visto antes, exceto por alguns que a gente esbarra de vez em quando pela cidade. Como muita gente, acabado o trabalho eu voltava para casa e no conforto do lar assistia às novelas e aos telejornais. Foi pensando assim que o sono me pegou aos poucos, mas a sensação de incômodo permanecia, até que tomei uma decisão:
- Sempre fechar as janelas à noite para ter certeza de estar bem seguro. Nunca se sabe se iremos levitar novamente.

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