quinta-feira, 24 de março de 2011

Rio Doce - A Espantosa Evolução de um Vale

Confira a apresentação do novo livro do escritor e jornalista Marco Antônio Coelho.


RIO DOCE - A ESPANTOSA EVOLUÇÃO DE UM VALE

A elaboração deste livro muito deve a Washington Novais, incansável batalhador em favor de duas causas básicas – a luta contra os que aplaudem ou ficam omissos diante dos atentados contra a Natureza e a defesa intransigente das comunidades indígenas no Brasil.

SUMÁRIO :
Apresentação
1 – “As áreas proibidas” de Minas Gerais
2 – O genocídio dos índios
3 – O destino do vale
4 – A briga pelo aço
5 – A trajetória e os desafios da CVRD
6 – A gravidade das questões ambientais

Anexos – Resgate dos “botocudos” entrevista com Ailton Krenak

Síntese do livro de José Galizia Tundisi e Y. Saijo sobre os lagos no vale do rio Doce
Apresentação


Algumas razões levaram-me a dedicar a este livro quatro anos de pesquisa, viagens e consultas a diversas pessoas em Belo Horizonte e no interior de Minas. Após haver estudado a situação do rio das Velhas e a divergência em torno da chamada transposição do Velho Chico fiquei surpreso com o pouco conhecimento, em Minas Gerais e no país, a respeito da realidade do vale e do rio Doce.
Particularmente fiquei abismado com a marginalização desses “sertões do leste”, parecendo injustificável o fato de os colonizadores portugueses não o devassarem durante três séculos, enquanto as lonjuras da província e do oeste brasileiro eram vencidas pelos exploradores, que chegaram até a orla do Pacífico e aos grandes rios da Amazônia.
Outras vastidões das Minas Gerais, como as alterosas e os cerrados, desde o século XVI estiveram debaixo da mira dos bandeirantes, autoridades e historiadores. O mesmo sucedeu com a região central das minas, onde estavam as jazidas de minérios, no aluvião dos córregos ou nos barrancos dos rios. Minerações que fixaram na área central da província a maior população das Américas no século XVIII, onde houve o vertiginoso processo da busca de ouro, principalmente em Vila Rica, Mariana, Caeté, Sabará, Santa Bárbara, Serro Frio e da frenética cata de pedras preciosas em Diamantina.
Durante décadas os que penetravam nas terras de Santa Cruz voltaram seus olhos para a imensidão das veredas no vale do São Francisco, mesmo porque foi impositivo o uso do grande rio para efetivar a ligação com a Bahia e o nordeste brasileiro. Da mesma forma, mas numa fase posterior, começou a ocupação da Zona da Mata onde a cafeicultura implantou-se nos morros com enorme êxito, impondo a necessidade da montagem da extensa rede da Leopoldina Railway.
Também houve inegável dinamismo no sul do estado, onde, além da produção de café, obteve sucesso a fabricação de queijo para abastecer São Paulo e o Rio de Janeiro, a capital da colônia. O Triângulo e o oeste de Minas jamais foram esquecidos, pois eram os caminhos para Mato Grosso e Goiás e porque em suas pastagens foi implantada a pecuária, fundada no empenho dos fazendeiros em aclimatar no Brasil o gado zebuíno.
Em sendo assim, a única região de Minas que ficou esquecida foi exatamente a encravada entre a Zona da Mata e o maciço do Espinhaço. Assim, aguçou minha curiosidade saber as razões do atraso secular na devassa do vale do rio Doce.
Logo sobressaiu a relevância das ordens expressas da Coroa portuguesa proibindo a abertura de vias ligando a região das minas ao litoral do Espírito Santo, inclusive a navegação pelo Doce. Todavia, esse óbice legal não impediria o surgimento de descaminhos se não fosse respaldado por outros fatores, entre os quais as características negativas do rio que procedia da região das minas. Porque suas águas, embora caudalosas, são repletas de cachoeiras e corredeiras, tornando impossível sua utilização como via navegável, ao contrário do sucedido nas bacias dos rios da Prata e da Amazônia.
Outros dados colaboraram para ser respeitada a decisão de Lisboa de impedir o trânsito por esse vale. A Mata Atlântica era um obstáculo formidável numa época em que eram precários os instrumentos para derrubar uma floresta cerrada e inóspita. Acrescente-se ainda que pestes imperavam nas regiões ribeirinhas pantanosas do Doce. E os intrusos não sabiam o que fazer para não serem dizimados.
Outro fator afastava os que desejavam ir de Vitória até as minas: as histórias fantasiosas sobre os índios, classificados como “botocudos”. Tidos como terríveis antropófagos, inclusive por serem adversários de tribos sediadas na orla marítima, que amistosamente receberam os europeus no século XVI.
Somente quando o maior contingente demográfico no Brasil daquela época entendeu que a mineração se esgotara é que teve início a corrente migratória para a Zona da Mata e, posteriormente, para a bacia do Doce. Fluxo que ganhou velocidade no declínio do século XVIII, mudando o perfil econômico e político da província. Processo consolidado quando, no fim do século XIX, houve a transferência da capital de Minas, com a construção de Belo Horizonte.
Comecei a tomar conhecimento dessa evolução de Minas Gerais com o que sucedia com um ramo da minha família. De longa data meus antepassados provinham da região do Alto rio Doce e do Serro Frio. Dezenas de parentes (inclusive alguns tios-avós) se transferiram de Guanhães e Virginópolis para a antiga Figueira do Rio Doce, hoje Governador Valadares.
A opção por esta cidade não decorreu de um acaso. Derivou de contar com duas inestimáveis vantagens – a ferrovia Vitória a Minas, que ali chegara em 1910, e a abertura de uma rodovia federal – Rio-Bahia - com a construção naquela cidade da ponte sobre o Doce.
Meu interesse por esse tema se aguçou também por um dado extremamente relevante. A partir da segunda metade do século passado o vale do Doce tornou-se o centro da vida econômica de Minas Gerais, devido ao papel desempenhado nessa região por empresas mundialmente poderosas – a Cia. Vale do Rio Doce, a Usiminas e a grande usina da Belgo-Mineira (hoje de propriedade da ArcelorMittal). Grupos econômicos que arrastaram para a região inúmeras empresas importantes.
Ademais, desde o início da década de vinte teve início a vertiginosa corrida para derrubar a Mata Atlântica. Na região foram instaladas inúmeras serrarias e Vitória firmou-se como o maior porto mundial de exportação de madeira. (Um fator hoje desempenhado por Belém do Pará e Manaus.)
Igualmente fortaleceu o meu empenho em descortinar a situação mais detidamente do quadro do vale deste rio uma recente análise do professor Paulo R. Haddad. Mostrou como Minas Gerais é uma realidade assimétrica diferente daquela propalada até décadas atrás, quando, a grosso modo dividia-se Minas em duas partes – os municípios localizados no norte de Minas – acima do paralelo 19 - especialmente nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri, que eram a parcela atrasada ou estagnada, em contraste com o progresso e o desenvolvimento do restante do território mineiro.
Para Haddad, a “nova geografia econômica de Minas Gerais mostra esses municípios economicamente deprimidos se espraiando também para quatro microregiões do vale do Rio Doce e para algumas subáreas da zona da mata.” ( “O Estado de S. Paulo, 5/8/10). Para ele, temos agora, cerca de 200 municípios, situados agora à direita da BR -040 na direção Rio-Brasília, que têm como características sócio-econômicas: baixas taxas de crescimento econômico; insuficiência de absorção de mão de obra, elevados índices de pobreza e de carências sociais, fortes desequilíbrios sócioeconômicos e intrarregionais; infra-estrutura econômica e social em precárias condições de uso; e elevado grau de dependência de transferências do governo federal, tanto para os residentes quanto para as prefeituras.
Formulando uma comparação, Haddad afirma que uma pessoa, viajando do Rio de Janeiro para Brasília, olhando para sua direita, viria uma Minas com o retrato socioeconômico do Nordeste brasileiro e, para a sua esquerda, uma Minas com o retrato da próspera economia do interior de São Paulo. E conclui, observando uma diagonal, saindo da zona da mata, dividindo o mapa do Estado numa dualidade espacial básica, encontraria não mais uma questão Norte-Sul. Apenas constataria a assimetria de Minas Gerais.
Mas o que acentua ainda mais a assimetria do estado montanhês é a evolução extraordinária do vale do rio Doce, a região que ficou abandonada durante três séculos e que nos últimos decênios assumiu a posição de absoluta liderança do progresso das alterosas.
Ao lado disso, para mim foi uma descoberta conhecer fatos históricos fundamentais sobre esses “sertões”, situados na parte leste da província, território durante muito tempo qualificado como “ área proibida” de Minas. E era prazerosa a oportunidade de retransmitir essas velhas histórias a pessoas que nunca tiveram maiores informações sobre o notável trabalho de certas personalidades relacionadas com a ocupação do vale.
Entre elas, destaca-se a trajetória de dois franceses. Um deles, Guido Thomaz Marlière, um ex-militar francês dedicado à missão de sustar o massacre de índios e estabelecer com eles laços de cooperação. O outro francês foi Jean Antoine Felix de Monlevade. Após estudar os recursos minerais existentes no Brasil, esse engenheiro empenhou-se na montagem de uma usina da Belgo-Mineira, uma siderurgia de elevado porte nas margens do Piracicaba, um afluente do Doce.
Na medida em que comecei a estudar os dados sobre o que sucedera nos “sertões do leste” de Minas Gerais foi se desvendando para mim uma falácia incrivelmente repetida na historiografia mineira - a absurda campanha contra os chamados “botocudos”. Campanha absurda impulsionada pelos colonizadores a fim se apossarem de uma imensa parcela do território, ocupada por uma densa floresta e que nela certamente seriam encontradas imensa riquezas minerais.
Para tanto, os nativos que ali viviam foram apresentados pelas autoridades coloniais como terríveis antropófagos que precisavam ser liminarmente exterminados. Calúnia propagada por aqueles que desejavam derrubar a Mata Atlântica, a fim de exportar madeira e com isso abrirem caminho para implantar pastagens e lavouras de café, milho e outros produtos.
Calúnia refutada por ilustres visitantes estrangeiros que estiveram na região no século XIX, entre os quais Saint-Hilaire e o sábio príncipe Maximiliano de Neuwied, conforme registraram em seus livros, além de Guido T. Marlière. E este deu uma palavra decisiva sobre tal aleivosia afirmando que a belicosidade dos chamados “botocudos” era uma resposta às hordas de invasores que pretendiam exterminá-los. Por isso entendi como um dever refutar no meu livro a versão falsa, insistentemente apresentada na historiografia mineira.
Ressalto também que meu interesse em debater a problemática tratada nesse livro derivou também de outro dado: cultivei desde os anos cinqüenta a causa da defesa das riquezas minerais de Minas Gerais e do progresso econômico e social da província. Com várias personalidades mineiras, participei nessa causa ao lado de pessoas, como Ozório da Rocha Diniz, Gabriel Passos, José Costa, Renato Falci, Fabrício Soares, José Israel Vargas, Mauro Santayana, Guy de Almeida, Benito Barreto, José Maria Rabelo, Carlos Olavo da Cunha Pereira, Edmur Fonseca, Roberto Costa, Washington Albino, Fernando Correa Dias e Helvécio de Oliveira Lima.
Ademais, meu comprometimento com essa temática foi possível porque em Minas Gerais foi montada, com seriedade e persistência, uma estrutura governamental e acadêmica de pesquisa dos grandes problemas relacionados com a economia e as questões ambientais. Cabe aqui mencionar expressamente a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, sob a direção de José Carlos de Carvalho. Atividade respaldada por entidades como a Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, pela Fundação João Pinheiro, entre outras.
Os dados e as opiniões apresentadas neste livro resultam especialmente da leitura de alguns trabalhos básicos elaborados por autores que documentaram com extrema seriedade aspectos básicos da realidade mineira. Começo por destacar o livro de Dermeval José Pimenta – “A Vale do Rio Doce & Sua História”, obra clássica para o conhecimento das origens da empresa e dos primeiros anos de sua existência.
Em torno da temática do rio Doce recebi o apoio valioso da Universidade do Vale do Rio Doce (UNIVALE), empreendimento resultante da visão e do empenho de uma personalidade excepcional, meu primo Antônio Rodrigues Coelho. Entendeu ele que uma instituição acadêmica seria o ponto de apoio decisivo para erguer a região das minas ao nível das atividades culturais realizadas na capital mineira. Com uma prova disso aí está “Sertão do Rio Doce”, de Haruf Salmen Espindola, obra basilar na exposição deste livro.
Naturalmente, apoiei-me em trabalhos clássicos sobre a evolução de Minas Gerais, como os de Francisco Iglesias (meu velho amigo), Octavio Dulci e Clelio Campolina, entre outros. Ressalto que também me fundamentei em dois trabalhos acadêmicos, poucos conhecidos do grande público. O primeiro foi uma tese, aprovada na USP, de Marta Zorzal e Silva, em 2001, quando recebeu o título de doutora em Ciência Política. O segundo foi a dissertação de Izabel Missaglia de Mattos, apresentada em 1995, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, para a obtenção do título de Mestre em Sociologia.
É indispensável ainda mencionar a colaboração indispensável nos contatos mantidos com Ailton Krenack, quando transmitiu-me dados preciosos a respeito do passado e do presente dos krenack e de outras comunidades nativas. E devo esse contato à minha prima Eliane Andrés, que me advertiu para a importância da atividade desse cacique entre as comunidades de nativos no Brasil.
Registro o apoio recebido de diretores e funcionários do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Graças a essa inestimável ajuda consegui o acesso a livros e teses dessa instituição e a obtenção constante de indispensáveis cópias dos trabalhos, tão logo saíam de meu computador. Muito devo, portanto, à colaboração de meus colegas nesse instituto. Determinadas pesquisas foram possíveis graças à colaboração de Caio Márcio Coelho Batista, meu sobrinho e afilhado, que me estimulava a fazer repetidas viagens pilotadas por ele em seu automóvel, com carinho e esmero, aliado a informações preciosas que me transmitia, por haver trabalhado durante anos em afazeres no vale.
Por tudo isso, tenho a dizer que este livro é um mutirão no velho estilo mineiro, onde muitos trazem um prato de comida para matar a fome dos que colaboram para o êxito de um evento, por se tratar de uma oportunidade para relembrar belas histórias do passado, que não devem ser esquecidas, assim como catilinárias antigas que não devem ser olvidadas.
São Paulo, março-abril de 2011.

Mais informações sobre o livro podem ser obtidas com o seu autor.

macoelho@that.com.br

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